Segundo Lutero, os concílios podem errar e a única autoridade deve ser a Sagrada Escritura – é verdade, no entanto, eles tiveram um papel fundamental na formação do cristianismo que nós professamos hoje.
Os dois primeiros concílios que aconteceram fora da narrativa bíblica, por exemplo, estabelecem bases para o entendimento que temos hoje sobre a Trindade, tema que estamos tratando há algumas semanas.
Pessoalmente, uma das coisas que eu achei mais legal estudando os concílios foram as confissões de fé. De início parecem mera formalidade, mas se você lê com o coração é impossível não ser tocado pela profundidade que esses credos carregam.
Você sabe o que são concílios ecumênicos*?
Concílios ou sínodos são reuniões com bispos, considerados sucessores dos apóstolos e os principais representantes da igreja de uma região; tinham como objetivo decidir sobre questões disciplinares, litúrgicas e doutrinárias nas comunidades cristãs.
*neste caso a palavra “ecumênicos” é usada para referir-se à participação de igrejas de todo o mundo habitado
A primeira menção a uma reunião nestes moldes está registrada em Atos 15, quando os apóstolos se reúnem para decidir se os cristãos deveriam ou não seguir elementos da tradição judaica.
“Porque o Espírito Santo e nós mesmos resolvemos não pôr nenhuma carga sobre vocês, a não ser estas proibições que são, de fato, necessárias: não comam a carne de nenhum animal que tenha sido oferecido em sacrifício aos ídolos; não comam o sangue nem a carne de nenhum animal que tenha sido estrangulado; e não pratiquem imoralidade sexual. Vocês agirão muito bem se não fizerem essas coisas. Saúde a todos!” Atos 15: 28, 29
Com a diáspora* e formação da catolicidade, ou seja, institucionalização da Igreja durante o século II, houve a necessidade de combater as heterodoxias que apareceram devido à expansão do cristianismo, que crescia mesmo em meio à perseguição.
A princípio este combate foi feito através da criação de um cânon dos escritos cristãos (por exemplo: Cânon de Muratori, que tinha o Novo Testamento parecido com o que temos hoje), um credo com o resumo da fé, uma eclesiologia baseada na sucessão apostólica e uma hierarquia funcional (formada por presbíteros, diáconos e bispos), e uma rede de vigilância e edificação.
**dispersão dos judeus, inclusive os convertidos ao cristianismo
“Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, Criador do céu e da terra;
e em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor,
que foi concebido pelo poder do Espírito Santo, nasceu da virgem Maria;
padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado;
ressuscitou ao terceiro dia;
subiu aos Céus; está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso,
de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
Creio no Espírito Santo,
na Santa Igreja, na comunhão dos Santos,
na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne,
na vida eterna. Amém.”
– Credo Apostólico
No entanto, quando houve a adesão do Império Romano ao cristianismo, com Constantino no Ocidente e Licínio no Oriente, o interesse de eliminar as diferenças da fé cristã tornou-se política. O que requereu ações estratégicas, como a convocação de uma assembleia.
Os dois principais assuntos dos maiores concílios da História são: Trindade e encarnação de Cristo, temas fundamentais do cristianismo. As discussões iam muito além do “pode ou não pode”, mas tratavam de respostas que teriam implicações na essência da fé cristã.
Veremos duas reuniões feitas na Antiguidade que se destacam no debate sobre a doutrina da Trindade.
Concílio de Nicéia (325)
Apesar de ser uma resposta ao arianismo, o concílio de Nicéia foi convocado pelo imperador Constantino, que tinha simpatia pela causa ariana.
Os assuntos tratados na reunião foram: disciplina eclesiástica, a formação do cânon, a oficialização de lideranças, orientações quanto à conduta do clero, e as questões levantadas por Ário (bispo da cidade de Alexandria) sobre a natureza de Cristo.
Para ele o Logos não era eterno, mas o primogênito da criação. Ele seria dotado de dimensões sagradas e sobrenaturais, mas seria semelhante (não igual) a Deus (homoiousios).
A conclusão foi que a salvação só poderia ser possível se Deus Pai estivesse envolvido na pessoa histórica de Jesus Cristo. Logo, Pai e Filho partilhavam da mesma substância (homoousios).
Concílio de Constantinopla (381)
Até a realização do concílio de Nicéia, a controvérsia ariana ainda não tinha chegado à pessoa do Espírito Santo. Entretanto, o movimento dos macedonianos surgiu negando a divindade do Espírito Santo. Ficaram conhecidos também como pneumatómacos, ou seja, os “adversários do Espírito”.
O concílio de Constantinopla foi convocado como uma tentativa de negociação com este grupo e renovação da plena adesão à Nicéia, como reafirmação da condenação do arianismo. Destaca-se também a questão da liderança da igreja de Constantinopla, já reconhecida como um importante centro ortodoxo, que estava sem pastor ortodoxo regularmente eleito.
Houve então em Constantinopla o reconhecimento da dignidade divina do Espírito Santo: Pai, Filho e Espírito Santo sendo “uma só divindade, poder e substância”.
“Cremos em um só Deus, Pai, Onipotente,
criador do céu e da terra,
e de todas as coisas visíveis e invisíveis.
E em um só Senhor, Jesus Cristo,
Filho unigênito de Deus,
gerado do Pai antes de todos os tempos,
Luz de Luz,
verdadeiro Deus de verdadeiro Deus,
gerado, não feito,
consubstancial com o Pai,
por quem todas as coisas foram feitas,
o qual por nós homens e pela nossa salvação desceu do céu,
e encarnou por obra do Espírito Santo, da Virgem Maria,
e foi feito homem.
Foi crucificado por nós sob o poder de Pôncio Pilatos,
padeceu e foi sepultado.
E, ao terceiro dia, ressuscitou, segundo as Escrituras,
e subiu ao céu,
e está sentado à mão direita do Pai,
e virá outra vez com glória a julgar os vivos e os mortos,
e o seu Reino não terá fim.
E cremos no Espírito Santo, Senhor, doador da vida,
procedente do Pai.
O qual com o Pai e o Filho juntamente é adorado e glorificado,
o qual falou pelos profetas.
Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica.
Reconhecemos um só batismo para a remissão dos pecados.
E esperamos a ressurreição dos mortos,
e a vida do mundo vindouro. Amém.”
– Credo Niceno-Constantinopolitano
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