“Então disse Deus: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança.” Gênesis 1:26
“Façamos” é a tradução de נעשח (naaseh) que está em uma forma verbal do hebraico bíblico chamada exortatória, e que poderia ser considerada equivalente ao imperativo do português, mas para expressar uma vontade própria, como um tipo de ordem a si mesmo.*
Seria errado crer que Gênesis 1:26 é uma prova da existência da Trindade?
Acredito que não seria errado. Podemos encontrar três interpretações possíveis para o texto:
- Uma conversa entre as Pessoas da Trindade;
- A presença de seres celestiais no momento da criação;
- Uso do plural para demonstrar grandeza, majestade.
No livro XII de “A Trindade”, obra de Agostinho, ele menciona o texto bíblico de Gênesis justamente para concluir que o plural confirma a existência da Trindade:
“Seguramente não se diria nossa, que é plural, se o homem fosse feito à imagem de uma única Pessoa, fosse a do Pai, fosse a do Filho, fosse a do Espírito Santo, mas, porque era feito à imagem da Trindade, por isso mesmo foi dito: à nossa imagem. Depois, para não sermos levados a crer que na Trindade há três deuses, sendo a Trindade um Deus único, repete: E Deus fez o homem à imagem de Deus, como se dissesse: à sua imagem.”
Para Gregório de Níssa, teólogo que viveu no século IV, as ações das três Pessoas divinas são sempre comuns às três, e que a diferença entre elas seria baseada nas suas relações internas.
Além da criação ter sido realizada pelo Deus triúno, não seria errado acreditar que houve uma breve conversa entre o Deus Pai, o Deus Filho e o Deus Espírito Santo naquele momento – que eu chamaria de brainstorm.
“cada operação que se estende de Deus para a criação [..] tem sua origem no Pai, e procede por meio do Filho, e é aperfeiçoada no Espírito Santo” Gregório de Níssa
Podemos também considerar Gênesis 1:26 como alusão à corte celestial, que está sempre na Presença de Deus.
Não que outros seres teriam participado ativamente na criação do homem, mas seria como se o Senhor buscasse a inclusão deles em sua decisão. Afinal, a humanidade foi feita para ser participante da realidade eterna.
“Ele fez tudo apropriado ao seu tempo. Também pôs no coração do homem o anseio pela eternidade; mesmo assim ele não consegue compreender inteiramente o que Deus fez.” Eclesiastes 3:11
A terceira possível interpretação que encontramos é o uso do “Façamos” com intuito de conotar grandeza.
Na Bíblia podemos encontrar diversos tipos de plurais usados como recurso estilístico: plural de extensão, composição, intensidade, abstração e por fim, o plural de excelência ou majestático, comumente usado em substantivos para se referir a Deus (Elohim, por exemplo).**
Creio que em sua soberania Deus permitiu que houvesse lugar para a pluralidade na interpretação de Gênesis 1:26. Ele quis o plural nas diversas traduções da Bíblia para permitir aos cristãos encontrarem o Filho e o Espírito Santo no Velho Testamento sem dar margem à confusão quanto à Sua unicidade. E essa para mim é uma das belezas do Evangelho, ele é inesgotável de complexidade em sua maneira simples de se apresentar.
Um comentário feito pelo Igor Miguel em um BTCast (“Trindade no Antigo Testamento”) sobre Gênesis 1:26 gerou em mim curiosidade, já que eu estava justamente estudando sobre o tema. Ele disse que o plural “Façamos” no texto original não se trataria necessariamente de uma demonstração do Deus triúno, mas afirma que seria para demonstrar grandiosidade, algo que acontece outras vezes ao longo das Escrituras.
Pesquisei em sites dedicados ao Hebraico bíblico, e achei interpretações que poucos têm acesso por não conhecerem o idioma original. Eu mesma não fazia a menor ideia de que haveria outras possibilidades.
Bom, eu ainda acredito que Gênesis 1:26 (apesar de existir margem para outra interpretação) é uma provinha da Trindade. Até porque mesmo que Deus seja constituído por três Pessoas, Ele continua sendo Um só, e a Bíblia não deixa a mínima dúvida quanto a essa verdade.
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